quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Estrelas também podem ser rejuvenescidas


Por Diana Sena Soares, aluna de Divulgação em Astronomia (2015) no IAG/USP

Brasileiros descobrem o primeiro botox estelar em gêmea do Sol e resolvem mistério sobre estrelas pobres em berílio.


Representação artística de estrela AGB (esquerda) transferindo material para a gêmea solar HIP10725. Figura adaptada por Irene Agnoletti e Jorge Meléndez.   



Assim como as pessoas, estrelas também podem passar por processos de botox. Diferente dos métodos utilizados por nós, envolvendo toxinas produzidas por agentes biológicos, as estrelas possuem um outro truque na manga: conseguem parecer muito mais jovens apenas girando mais rápido do que o normal! É claro que esse processo não é espontâneo afinal, ninguém rejuvenesce sem ter que fazer algum tipo de esforço. O estudo desse evento ajudou astrônomos brasileiros a desvendar um mistério que vinha há tempo os assombrando: a falta do elemento berílio em algumas estrelas semelhantes ao Sol. 



O estudo em questão envolve as chamadas gêmeas solares estrelas muito parecidas com o nosso Sol, como o próprio nome diz. O Prof Jorge Melendez (USP) estuda desde 2009 alguns desses objetos, fazendo uso do telescópio VLT do Observatório Europeu do Sul (ESO). Dentre eles, um astro em particular chamou muito a sua atenção: a estrela HIP10725 não possui o elemento químico berílio, apesar de tal elemento ser abundante em todas as outras gêmeas solares e também no Sol. Se o berílio é um elemento característico desse tipo de estrelas, porque apenas essa seria diferente? Tal questão intrigante só voltou a ser estudada alguns anos depois pelo aluno de iniciação científica Lucas Schirbel (USP), que analisou esse astro em mais detalhes e resolveu o mistério. 


Lucas Schirbel, aluno da graduação em Astronomia da USP. Ele é o autor principal da descoberta sobre e gêmea solar rejuvenescida.

Gêmea solar?

Para que o objeto seja considerado gêmeo solar, precisa ter temperatura, massa e composição química semelhantes ao nosso Sol. Lucas Schirbel, autor principal do estudo, afirma que “essa estrela é curiosa, pois se usarmos o carbono, o nitrogênio ou o oxigênio, que são chamados de elementos voláteis, a HIP 10725 se encaixa no que a gente chama de gêmea solar. Porem a quantidade de ferro, um elemento refratário que se condensa facilmente em poeira, é um pouco menor do que o esperado para uma gêmea solar.
A idade da estrela também deveria ser similar à do Sol, para ser considerada gêmea, mas como esse é um parâmetro de difícil medição, acaba por ser ignorado algumas vezes. Foi justamente a idade da estrela que fez toda a diferença: a partir dela foi possível provar que a HIP10725 possuía uma pequena estrela companheira, fazendo-a girar mais rápido e resolvendo o mistério sobre a sua falta de berílio. 
Definir se uma estrela é gêmea do Sol não é um trabalho tão simples. Diferentemente do termo gêmeousado para pessoas, quando o mesmo é aplicado para objetos estelares ele se refere apenas às suas características estruturais, sem ter nenhuma relação com o nascimento das estrelas.




Imagem da estrela gêmea solar HIP10725 (no centro) obtida do Digitized Sky Survey


Porque Berílio?

A falta de berílio foi a primeira evidência de que havia algo de diferente naquela estrela, mas não foi a única. A HIP10725 também apresentava quantidades de elementos pesados (como ítrio, bário e lantânio) muito excessivas para uma estrela pouco evoluída. Elementos pesados como esses são produzidos em estrelas gigantes que estão numa fase evolutiva bem mais avançada, conhecida como fase AGB, e por isso essas estrelas evoluídas são chamadas de "estrelas AGB". Com base nisso, o grupo de pesquisa passou a utilizar a hipótese de que a HIP10725 possuía uma AGB companheira, responsável por contaminá-la com tais elementos pesados ao mesmo tempo em que a fazia destruir seu berílio. 


Telescópios VLT (8 metros) do ESO, no Observatório Paranal, em Chile. Um desses telescópios foi usado para estudar o berílio e outros elementos químicos na gêmea solar HIP 10725.


O tempo resolve tudo

O excesso de elementos químicos pesados era evidência da suposta estrela gigante AGB, mas ao invés de encontrar um astro gigante, foi encontrada uma pequena anã branca – o remanescente de uma estrela, já no fim de sua vida. Na verdade, isso não é estranho, pois estrelas AGB têm um tempo de vida muito curto, e a outrora companheira gigante da nossa HIP10725 já tinha envelhecido há tempos e se tornara uma minúscula anã. Ainda assim, os efeitos que ela induziu na gêmea solar são visíveis 

A velocidade de rotação de uma estrela pode ser usada para estimar a idade dela. Ao se determinar a velocidade com que a gêmea solar HIP 10725 estava girando, foi calculado que corresponderia ao de uma estrela de apenas 1 bilhão de anos. Entretanto, já era de conhecimento do grupo que ela tem na verdade 5 bilhões de anos! Segundo o Prof José Dias do Nascimento e Matthieu Castro (UFRN), esse fenômeno é “o efeito botox estelar, que causa o aparente rejuvenescimento da estrela devido ao aumento da rotação”. Esse aumento só foi possível pela forcinha da companheira, que ao transferir material para a gêmea solar, a fez girar mais rápido. Essa alta rotação da HIP10725 também é a responsável por seu baixo nível de berílio, pois a estrela dá voltas tão rápido que acelera muito a destruição desse elemento químico. 

Esse resultado também pode ser aplicado a outras gêmeas solares, como cita o Prof Jorge Melendez: outras quatro gêmeas solares com níveis baixos de berílio, observadas por uma equipe japonesa em 2011, podem ter companheiras anãs brancas, o que poderia explicar o mistério do seu baixo berílio”.


Há planetas?

Ainda que a estrela seja muito parecida com o Sol, a sua companheira AGB já foi tão grande em estágios anteriores da vida que provavelmente engoliu qualquer planeta que possa ter se formado junto com a HIP10725. Entretanto, quando a AGB expeliu seu envoltório e virou uma anã branca, deixou muitos rastros de poeira. A partir dessa poeira é possível surgir os planetas fênix: nascidos literalmente das cinzas da AGB.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Como ser astrônoma/astrônomo profissional

Milhares de pessoas têm o sonho de se tornar astrônomos/astrônomas. Para se tornar astrônomo profissional é necessário graduação em Física ou Astronomia, e pós-graduação em Astronomia.

Astronomia (ou Astrofísica) é o estudo dos astros e do próprio universo, usando as ferramentas da Física. Por isso, a graduação em Astronomia é similar à graduação em Física. A principal diferença é que na graduação em Astronomia existem disciplinas básicas (obrigatórias) e eletivas de Astronomia, como por exemplo "Introdução à Astronomia", "Planetas e Sistemas Planetários", "Astrofísica Estelar", "Astrofísica Galáctica e Extragaláctica" e "Introdução à Cosmologia". 

Na graduação em Física às vezes estão disponíveis disciplinas eletivas de Astronomia. Por exemplo, na USP os alunos do bacharelado em Física (do IF/USP) podem se matricular em diversas disciplinas de Astronomia oferecidas pelo IAG/USP. Outra opção é estudar por conta própria diversos temas de Astronomia em nível introdutório. É importante ter pelo menos noções básicas de Astronomia (p.ex. conceitos como magnitude, diagrama H-R, classificação de estrelas), para ter um melhor desempenho na pós-graduação.

Caso o bacharelado em Física da sua universidade não ofereça nenhuma disciplina básica de astronomia, existem muitos livros de Introdução à Astronomia (principalmente em Inglês) que você pode tentar estudar sozinho. Um dos que eu mais gosto para Astronomia em nível introdutório é o "The Essential Cosmic Perspective" (ou o mais completo "The Cosmic Perspective"), por Jeffrey Bennet e co-autores. Existem vários outros livros desse tipo. Para estudar os conceitos básicos não é necessário adquirir a ultima edição dos textos; pode encontrar edições anteriores a um melhor preço (usados, ou novos, na Amazon). Outro livro introdutório porem que aborda diversos temas de Astronomia de uma maneira mais profunda é o "An Introduction to Modern Astrophysics", por Carroll & Ostlie.

Na graduação você aprenderá apenas as ferramentas básicas. Caso tenha interesse em aprofundar seus conhecimentos ou fazer pesquisa em Astronomia, é importante fazer uma pós-graduação. A grande maioria de Astrônomos profissionais no Brasil (e no mundo) que fizeram pós-graduação em Astronomia, fez primeiro graduação em Física, pois existem poucas universidades que oferecem bacharelado em Astronomia (no Brasil, a UFRJ, UFRGS, USP, UFS). Alunos com bacharelado em Engenharia também podem fazer pós-graduação em Astronomia, porem é necessário ter conhecimentos básicos de Física pois geralmente é necessário aprovar um exame de Física para entrar na pós-graduação. Para os alunos de engenharia, é importante estudar disciplinas adicionais de Física que podem não fazer parte da sua estrutura curricular, como por exemplo Electromagnetismo e Mecânica Quântica.

Existem várias universidades/institutos no Brasil oferecendo Mestrado e Doutorado em Astronomia (p. ex., USP, Observatório Nacional, UFRGS, UFRN, UFRJ, UNIFEI, UNIVAP, INPE). A qualidade da graduação e pós-graduação no Brasil é razoavelmente boa. Ou seja, não é necessário sair ao exterior para se tornar astrônomo. No entanto, se tiver a oportunidade, recomendo fortemente em algum momento tentar fazer algum estágio fora (no bacharelado, mestrado ou doutorado). Estágios no exterior são mais comuns no doutorado. Se quiser, pode fazer todo o bacharelado ou pós-graduação no exterior, claro. Após o doutorado e antes de obter um emprego fixo, os astrônomos profissionais geralmente têm  empregos temporários (1 a 3 anos) de "pós-doutorado", que podem ser no país ou no exterior (eu fiz pós-doutorado nos Estados Unidos, Austrália e Portugal).

Boa parte dos Astrônomos profissionais no Brasil trabalham em Universidades ou Institutos de Pesquisa. Nas universidades geralmente a função principal é dar aulas e realizar pesquisa, e também é possível orientar alunos de graduação ou pós-graduação. Nos Institutos de pesquisa (p.ex., INPE, LNA) podem ser desenvolvidas diversas funções como a pesquisa pura, gerenciamento de projetos (por ex. os observatórios Gemini, SOAR e OPD são gerenciados pelo LNA), construção de instrumentação astronômica, e assistente de astrônomos em observatórios. Além da pesquisa, também existe a possibilidade de dar aulas e orientar alunos.

O trabalho de pesquisa realizado pelo astrônomo depende da sua área de especialização. Por exemplo existem astrônomos "observacionais" que obtêm dados em telescópios no Brasil (OPD) ou exterior (ESO, Keck, Subaru, Gemini, CFHT, etc.), ou inclusive em observatórios espaciais (p.ex., Hubble, Chandra, Kepler). Esses dados podem ser empregados pelo próprio pesquisador ou por alunos do seu grupo. Astrônomos "teóricos" podem trabalhar desenvolvendo teorias a partir de equações básicas, o que pode incluir também uso de simulações no computador.

Embora o principal campo de atuação dos astrônomos profissionais seja a pesquisa/ensino, existe também a possibilidade de atuar em divulgação da Astronomia em Planetários e Observatórios para o público, ou em Centros de Pesquisa orientados à Divulgação Científica, como o Museo de Astronomia e Ciências Afins (MAST), contribuindo para difundir o conhecimento astronômico para o grande público.