quinta-feira, 27 de julho de 2017

A Via Láctea

Por Rafael Hideki Ishida, aluno do Prof. Dr. Jorge Meléndez

Nossa morada no Universo


Dependendo de onde estivermos, o céu noturno pode se apresentar de diferentes maneiras. No meio de uma cidade, por exemplo, a intensa iluminação impede que vejamos muitas estrelas. Já em locais mais afastados, como no campo, podemos identificar diversas constelações no céu. Agora, se não tivéssemos iluminação alguma, poderíamos observar o mesmo céu que as civilizações antigas observavam. Em especial, observaríamos algo muito interessante no céu: nossa morada no Universo, a Via Láctea.

Bom, na verdade, parte da Via Láctea. Quando procuramos imagens da nossa galáxia pela internet, encontramos diversas imagens de corpos com formatos espirais. Estas são imagens de como nós imaginamos ser a Galáxia. Estando dentro dela, somos limitados a vermos apenas uma região da Via Láctea. Região que justamente dá nome a ela. Através de sua mitologia, os gregos explicavam que a parte da galáxia que observamos no céu é o leite derramado dos seios da deusa Hera. Por isso o nome "caminho de leite", Via Láctea em grego. 

Parte da Via Láctea observada no Hemisfério Sul. Fonte: Gabor Furesz.

Da mesma forma que os primeiros navegadores tinham dificuldades para navegar pelos mares sem um mapa da Terra, os astrônomos encontram obstáculos em estudar a Via Láctea. Hoje em dia, com toda a tecnologia de satélites, todo esse trabalho se facilita; basicamente nós podemos tirar uma foto da Terra e pronto. Contudo, os astrônomos não podem simplesmente sair da Galáxia para ir tirar uma foto panorâmica. Por isso, tornou-se necessário outra solução para entendermos melhor o lugar em que moramos. Observar outras galáxias é uma delas. Ao longo dos anos, pesquisas mostraram que Andrômeda, nossa galáxia vizinha, tem características muito parecidas com a nossa. Hoje, sabemos que a Via Láctea é classificada como uma galáxia espiral. A região que observamos no céu é parte de um de seus braços, que são basicamente compostos de gás hidrogênio.

Estruturalmente dividimos a nossa galáxia em três partes. A região central é denominada de bojo e apresenta uma densidade de estrelas muito alta, de modo a ser a parte mais brilhante da Via Láctea. Os braços em espiral formam o disco galáctico, com cerca de cem mil anos-luz de diâmetro e mil anos-luz de espessura (1 ano-luz equivale aproximadamente a 9,5 trilhões de quilômetros). Estudos recentes apontam que os braços da nossa galáxia originam-se de uma espécie de "barra", que atravessa diametralmente o disco galáctico. Além disso, na região mais central do bojo, acredita-se existir um buraco negro supermassivo, com cerca de 4 milhões de massa solar. Por fim, nós temos o halo. Apesar das imagens de galáxias sempre mostrarem apenas o disco e o bojo, os limites das galáxias estão muito além dessas partes. O halo é toda região que envolve o disco e possui um formato aproximadamente esférico. Nosso Sol e todo o Sistema Solar está localizado a 26 mil anos-luz do centro da Galáxia, no chamado braço de Órion - Cygnus. Assim como a Terra gira entorno do Sol, o Sistema Solar também orbita o bojo, junto do braço, com uma velocidade de 220 km/s. Isto significa que o Sol completa uma volta pela Galáxia a cada 250 milhões de anos. Esta informação nos permite concluir que, na última vez que a Terra passou por esta mesma posição, os dinossauros ainda caminhavam por aqui.

Representação da Via Láctea e seus braços. Fonte:  R. Hurt (SSC), JPL-Caltech, Nasa.

A composição da Via Láctea não é homogênea. Uma visão geral da nossa galáxia nos indica uma concentração de gás e poeira interestelar na região do disco. Da mesma forma, grande parte das estrelas jovens são encontradas nessa região, justamente por ser um local de formação estelar. Essas estrelas também são encontradas no bojo galáctico, mas aqui a predominância é de estrelas velhas. No halo, quase não encontramos gás ou poeira. As estrelas também são poucas, encontradas principalmente nos aglomerados globulares, regiões que concentram estrelas mais velhas, que orbitam o centro galáctico. Apesar disso, o halo é a região mais massiva de toda a galáxia. Mas quem seria responsável por toda essa massa? É nesse ponto que entra a matéria escura. Através de análises gravitacionais, percebeu-se que a galáxia deveria possuir muito mais massa do que podemos observar. A matéria escura foi introduzida para explicar essa diferença. Pouco sabemos ainda sobre ela, pois não pode ser observada; apenas podemos inferir a existência de matéria escura a partir do seu efeito gravitacional.

Estruturas da Via Láctea. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 137.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Formando elementos por captura de nêutrons: o processo-r

Por Rafael Hideki Ishida, aluno do IAG/USP, e Prof. Dr. Jorge Meléndez (IAG/USP)

Formando ouro e outros elementos pesados pelo processo-r

Imagem artística da fusão de estrelas de nêutrons, uma provável origem do ouro e outros elementos pesados. (c) Mark Garlick

Estrelas massivas produzem sucessivamente elementos cada vez mais pesados, até chegar a produzir o elemento químico ferro (Fe) perto do fim de suas vidas. Elementos mais pesados da tabela periódica, como o ouro, são formados somente a partir da captura de nêutrons por núcleos atômicos de ferro e carbono, principalmente. A partir do decaimento beta, esses núcleos podem transformar seus nêutrons sobressalentes em prótons, aumentando seu número atômico e, consequentemente, formando um novo elemento químico. 

Diferenciamos duas formas de captura de nêutrons. Quando temos um baixo fluxo de nêutrons (como em estrelas do ramo assimptótico das gigantes, AGB), o processo se dá de forma muito lenta, de modo que um segundo nêutron só possa ser capturado pelo núcleo atômico após o decaimento beta ocorrer. Assim, chamamos este caso de processo s (proveniente do inglês, slow process). Já quando temos um alto fluxo de nêutrons (como em explosões de supernovas ou fusão de estrelas de nêutrons), o bombardeio sobre o núcleo atômico é tamanho, que diversos nêutrons são capturados antes que o decaimento beta possa ocorrer. Dessa forma, chamamos esse caso de processo r (do inglês, rapid process). No post anterior tratamos do primeiro caso (processo s), agora trataremos mais detalhadamente do segundo caso.

O processo r

Metade dos elementos mais pesados que o ferro são produzidos pelo processo s e a outra metade é resultado do processo r. Como mencionado anteriormente, as condições para ambos processos são diferentes. Enquanto as estrelas gigantes AGB são responsáveis pelo processo s, ainda existem muitas incertezas sobre o processo r, mas sabemos que condições extremas precisam ser alcançadas para que ele ocorra, como uma explosão supernova ou uma fusão de estrelas de nêutrons (essa fusão foi detectada recentemente em ondas gravitacionais e luz por diversos observatórios). Porem, não é totalmente certo qual destes dois eventos é o palco dominante do processo r. Contudo, observamos em estrelas de baixa metalicidade elementos produzidos pelo processo r, um certo absurdo, já que estas estrelas não deveriam ter elementos tão pesados assim. Este impasse, entretanto, é justamente resolvido considerando as supernovas como lugares de ocorrência do processo r, já que, assim, as estrelas de baixa metalicidade teriam incorporado esses elementos de supernovas que ocorreram nos primórdios da Galáxia. A colisão de estrelas de nêutrons é talvez mais importante em tempos mais recentes.

O processo r é realmente muito intenso. Tudo ocorre em uma escala de 2 a 3 segundos. Para termos uma ideia desta intensidade, podemos fazer uma analogia muito interessante. Imagine que você tente subir uma escada rolante que se move no sentido contrário, ou seja, está descendo. A sua tentativa de subida representa o fluxo de nêutrons e o movimento de descida das escadas representa o decaimento beta. Perceba que, se você subir mais devagar do que a escada desce, você não conseguirá subir. Analogamente, se o nosso fluxo é baixo, o núcleo decai. É o que ocorre no processo s. Dessa forma, você precisará tentar de novo se quiser subir. Ou seja, um novo nêutron precisa ser capturado para decair novamente (como no processo s!). Agora, caso você suba com uma velocidade maior do que a velocidade de descida da escada, você conseguirá chegar ao topo. Analogamente, se tivermos um alto fluxo, não haverá como o decaimento beta ocorrer, criando núcleos pesados, assim como no processo r. Enfim, se você já tentou subir uma escada rolante que desce, sabe que o esforço é realmente grande!


(CLIQUE PARA AUMENTAR) Representação da analogia entre escadas rolantes e o processo de captura de nêutron.
Devido ao alto fluxo de nêutrons, muitos dos núcleos se encontram muito pesados, com cerca de 100 prótons cada. Isso os torna muito instáveis, fazendo-os decair, emitindo principalmente partículas alfa (núcleos de hélio). Finalmente, eles acabam se tornando isótopos de chumbo, tório e urânio, os quais são estáveis e possuem meias-vidas da ordem de bilhões de anos, tornando-os ótimas referências para escalas de tempo cósmicas.

Quando observamos o final do processo de captura de nêutrons é possível reconhecer um certo padrão em relação aos elementos produzidos. Apenas determinados elementos são formados através do processo r e suas proporções são muito bem determinadas. Isto significa que o Sol, por exemplo, pode não ter a mesma abundância desses elementos que outras estrelas, mas ele possui a mesma proporção. Isto mostra que o processo r é um mecanismo que ocorre sempre da mesma maneira em qualquer lugar do universo; ele possui apenas uma receita. Tal fato se tornou muito interessante para os astrônomos, pois, a partir dessa relação, foi possível determinar certas idades cósmicas. Comparando a razão entre dois elementos no momento em que foram formados (este número é obtido através de modelos) e a razão entre esses elementos atualmente, podemos determinar idades de estrelas com muita precisão. E como temos diversos elementos químicos, podemos medir uma mesma idade com diferentes "relógios". Cada uma dessas razões entre elementos é denominada cronômetro ou relógio cósmico. 

Recentemente (16/out/2017) foram detectadas ondas gravitacionais da fusão de estrelas de nêutrons, com uma contrapartida em luz visível, o que está trazendo muita informação sobre a formação de elementos químicos pelo processo-r. Aparentemente, devemos o ouro presente na Terra à colisão de estrelas de nêutrons.
Imagem artística da fusão de duas estrelas de nêutrons, uma possível origem de elementos pesados. (c) NASA




domingo, 16 de julho de 2017

Formando elementos por captura de nêutrons: o processo-s

Por Rafael Hideki Ishida, aluno do Prof. Dr. Jorge Meléndez


Como são formados os elementos mais pesados da tabela periódica


Quando analisamos a evolução das estrelas, observamos que o elemento mais pesado produzido por elas é o ferro. Isto porque as condições nos núcleos estelares não são suficientes para a fusão nuclear deste em elementos mais pesados. Contudo, o nosso cotidiano está repleto de materiais originados de elementos bem mais pesados do que o ferro. A resposta para esse problema se encontra nas estrelas que se encontram no ramo assimptótico das gigantes, o último estágio da evolução estelar antes da fase de anã branca. É nesta fase em que ocorre o primeiro passo para a formação dos elementos mais pesados: o processo de captura de nêutrons.

Este processo ocorre quando núcleos atômicos são bombardeados pelos nêutrons livres. Dessa forma, parte dos nêutrons são incorporados pelo núcleo, gerando isótopos daquele elemento. Essa adição de nêutrons torna o núcleo instável, forçando o processo de decaimento beta, em que um nêutron se transforma em um próton, emitindo um elétron e um antineutrino. Dessa forma, temos um aumento do número atômico, alterando o elemento. Por exemplo, núcleos de ferro, que possuem 26 prótons, ao capturarem um nêutron, se tornam em um núcleo de cobalto (27 prótons), após o decaimento beta. 

Processo de transformação de um núcleo de ferro em um núcleo de cobalto. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 108.

Observações mostram que a captura neutrônica ocorre em diferentes escalas de tempo. Quando temos um alto fluxo de nêutrons (como em explosões de supernova), a captura de nêutrons se dá de forma muito rápida, de modo que sucessivas capturas são feitas antes que o decaimento possa ocorrer. Já quando o fluxo de nêutrons é baixo (como em estrelas AGB), a captura se dá de forma muito lenta, de forma que há tempo suficiente para o decaimento beta ocorrer antes de outro nêutron ser capturado. Para o primeiro caso, damos o nome de processo r (do inglês rapid process) e para o segundo, processo s (slow process), o qual analisaremos mais a fundo.

O processo s

À primeira vista, parece difícil achar uma relação entre as estrelas e os famosos letreiros de neon dos anos 80. Mas se lembrarmos do processo de evolução das estrelas e de como os elementos são formados, veremos que o neônio (além de outros gases nobres famosos por suas cores) são muito íntimos das estrelas gigantes. É quando a estrela se encontra no ramo assimptótico das gigantes que esses elementos são produzidos, através do processo s.

Esse processo ocorre principalmente em estrelas de 2 a 8 massas solares, na fase final do ramo assimptótico das gigantes. Nesta etapa, todo o envelope da estrela pulsa regularmente, de modo a trazer elementos produzidos pelo processo s para a superfície, alterando constantemente sua composição. O processo s ocorre em uma camada que se encontra entre a camada de queima de hélio e a camada de queima de hidrogênio. Ventos estelares podem levar embora boa parte da massa da estrela composta dos elementos recém sintetizados, enriquecendo o meio interestelar. É por esse motivo que as estrelas do ramo assimptótico das gigantes são importantes participantes na evolução química do Universo, formando muitos dos elementos pesados como o bário e estrôncio.

Localização da camada em que se dá o processo s. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 110.

O processo s ocorre em uma camada na qual há a presença de hélio, devido à necessidade desse elemento para formar nêutrons. O núcleo de hélio, também chamado de partícula alfa, ao ser capturado por isótopos de carbono ou neônio, libera um nêutron. Após um tempo, há nêutrons suficientes para que os núcleos atômicos (principalmente de ferro) comecem a capturá-los. Antes que o núcleo possa capturar um segundo nêutron, ele decai liberando um elétron; com o decaimento do nêutron aumenta o número de prótons e portanto é produzido um elemento mais pesado. Cerca de metade dos elementos mais pesados que o ferro são produzidos dessa maneira. Elementos como estrôncio, molibdênio e paládio são exclusivamente formados pelo processo s. Mas muitos outros elementos são formados tanto pelo processo s quanto pelo processo r.

Exemplo da evolução de elementos ao longo de várias capturas neutrônicas via os processos s e r. Os quadrados mais escuros indicam núcleos estáveis e os mais escuros instáveis. As porcentagens indicam a fração de isótopos daquele elemento. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 111.

Quando observamos estrelas como o Sol, não é de se estranhar a presença de elementos formados pelo processo s. Não podemos dizer o mesmo para estrelas de baixa metalicidade. Estas estrelas, nas quais o ferro e outros metais se apresenta em quantidades muito baixas, em tese, não deveriam apresentar elementos mais pesados. Contudo, observa-se a presença de elementos originados da captura de nêutrons nessas estrelas. Uma hipótese seria a presença destes elementos nas nuvens que originaram essas estrelas. Entretanto, as estrelas de baixa metalicidade são muito antigas, e, muito provavelmente, não existiam estrelas no ramo assimptótico suficientes para dispersar os elementos pesados no meio interestelar.

Uma solução para essa questão está nas estrelas binárias. Normalmente encontramos estrelas de baixa metalicidade junto de uma companheira. Esta normalmente evolui primeiro para o ramo assimptótico das gigantes, produzindo elementos mais pesados através do processo s. A estrela gigante, então, começa a transferir matéria para a estrela de baixa metalicidade, inclusive os elementos produzidos pela captura neutrônica, explicando assim a origem de estrelas pobres em metais com altos níveis de elementos do processo s

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Supernovas: a morte de estrelas

Por Rafael Hideki Ishida, aluno do Prof. Dr. Jorge Meléndez


Ponte entre o passado e o futuro do Universo

Nebulosa do Caranguejo. Remanescente da Supernova ocorrida no ano de 1054. (c) Hubble/NASA
Quando ouvimos pela primeira vez a palavra "supernova", podemos ter uma primeira impressão equivocada sobre esse grandioso e importantíssimo evento astronômico. Apesar do nome, as supernovas estão relacionadas com os estágios finais da vida das estrelas. Acontecem devido a explosões que ocorrem em estrelas com mais de 8 massas solares ou em sistemas binários com uma ou duas anãs brancas.

O primeiro passo para estudarmos as supernovas é analisarmos a evolução das estrelas de alta massa. Estas, apesar de possuírem muito hidrogênio, vivem muito menos do que estrelas de baixa massa como o Sol. A luminosidade (energia emitida por segundo) dessas estrelas é muito alta, devido a uma queima de hidrogênio muito mais intensa. Assim, a passagem dessas estrelas pela Sequência Principal é feita muito rapidamente (em comparação a estrelas de baixa massa). O hidrogênio vai sendo convertido em hélio na região central, mas quando o hidrogênio nessa região se esgota teremos um núcleo de apenas hélio e a estrela entra no chamado "Ramo das Gigantes Vermelhas". Em seguida, o hélio começa a ser queimado na região chamada de "Ramo Horizontal" e posteriormente a estrela parte para o "Ramo Assimptótico das Gigantes". Nesta fase, estrelas de baixa massa produzem um núcleo de carbono e oxigênio, dando fim à evolução química em seu interior. Porem, devido às elevadas temperaturas e densidades, estrelas de alta massa podem atingir condições necessárias para sucessivamente fusionar elementos mais pesados em seu núcleo, gerando camadas de carbono até silício em seu interior, tudo sobre um núcleo de ferro e níquel. Após a formação desse núcleo de Fe-Ni, a estrela se encaminha para o seu glorioso fim: a supernova.

Interior de uma estrela de alta massa próxima do seu fim. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 70.


A queima do silício é a última fase de fusão nuclear da estrela. Neste momento, a temperatura é suficiente para que ocorra a fotodesintegração, que é um processo no qual núcleos de ferro são bombardeados por fótons, quebrando-os em prótons e nêutrons. A fotodesintegração consome energia da estrela, levando a uma perda de pressão e ao colapso do núcleo. Os recém produzidos prótons da fotodesintegração são capturados pelos elétrons degenerados do núcleo, formando um nêutron e um neutrino em um processo chamado decaimento beta inverso. Esta perda de elétrons (e pressão de suporte dos elétrons) intensifica ainda mais o colapso da estrela, que acontece a altíssima velocidade. A nível de comparação, se o mesmo colapso acontecesse com a Terra, esta seria transformada em um esfera de 50 km de raio em apenas um segundo.


Devido à altíssima velocidade dos acontecimentos, no início as camadas mais externas da estrela nem percebem os processos no núcleo. Este agora é formado dos nêutrons degenerados provenientes da fotodesintegração e decaimento beta inverso. Conforme o colapso avança, sua densidade se aproxima da densidade dos núcleos atômicos (cerca de 1017 g/cm³). Logo, o núcleo se torna uma estrela de nêutrons, um remanescente de estrelas com massa inicial entre 8 e 20 massas solares. Caso a massa inicial seja maior a 20 massas solares, o remanescente será um buraco negro. A alta densidade faz com que qualquer matéria que caia no núcleo seja refletido, formando uma onda de choque que percorre as camadas da estrela até a superfície. O calor trazido por essa onda é capaz de causar novas fotodesintegrações, produzindo mais nêutrons. Através da sua captura, esses nêutrons são responsáveis por gerar novos elementos mais pesados que o ferro.

A estrela agora está perto do seu fim. Os neutrinos acumulados do decaimento beta inverso reforçam a onda de choque, que ganhará velocidade e energia suficiente para a explosão e desintegração da estrela. As camadas mais externas com elementos químicos previamente criados, junto com elementos recém formados, são jogadas para o meio interestelar, deixando a estrela de nêutrons pra trás. Este tipo de explosão, devido ao colapso de estrelas de alta massa, é o que chamamos de Supernova do tipo II. As supernovas são os eventos mais energéticos do Universo. Durante a explosão, elas possuem uma luminosidade bilhões de vezes maior que a do Sol, podendo ser vistas de galáxias muito distantes. A análise da luminosidade da supernova pode nos dar informações sobre o seu tipo. Analisando o formato das curvas do gráfico abaixo, podemos diferenciar as supernovas tipo II e tipo Ia.


Curva de luminosidades de Supernovas tipo II e tipo Ia. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 100.

As supernovas tipo Ia são aquelas originadas de sistemas binários envolvendo anãs brancas. Nesse contexto, ocorre a transferência de massa da estrela mais massiva para a anã branca. Caso esta chegue ao limite de Chandrasekhar (1,4 massas solares), a pressão gravitacional supera a pressão de degenerescência dos elétrons, levando-a a contrair-se. A anã branca então começa a queimar seu carbono, aquecendo-a. A partir desse ponto, o interior da estrela passa por processos semelhantes aos que vimos para estrelas de alta massa. Diversas cadeias de reações nucleares produzem novos elementos, sendo o ferro e o níquel os mais pesados. A rapidez com que esses processos ocorrem acabam por desintegrar a estrela, fazendo-a explodir. Estas são as supernovas tipo Ia. Um processo parecido ocorre com sistemas binários de duas anãs brancas.que colidem, se tornando um objeto único. Este objeto possui uma massa que ultrapassa o limite de Chandrasekhar e também acaba explodindo.

Processos de formação das Supernovas tipo II e tipo Ia. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 96.


Outra diferença entre as supernovas tipo II e tipo Ia está no espectro delas. Observa-se que linhas de hidrogênio são presentes na primeira, mas não na segunda. O avanço na observação de supernovas e nos espectros nos permitiu especificar ainda mais a classificação de supernovas. Como a figura abaixo mostra, temos ainda os tipos de supernovas Ib e Ic, que são muito raras. 


Classificação das Supernovas segundo seus espectros. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 102.

Analisando os acontecimentos que procedem esse grandioso evento astronômico, talvez relacionar juventude e supernovas não seja tão equivocado. As supernovas representam o fim das estrelas de alta massa, sendo responsáveis por enriquecer o meio interestelar com os elementos químicos formados durante a sua vida. Esses elementos estarão presentes nas futuras gerações de estrelas que, por ventura, venham a se formar em nuvens de hidrogênio enriquecidas com os metais ejetados por supernovas. Assim, estudar uma supernova é um dos pontos chave para entendermos a evolução química da Galáxia, uma vez que podemos ver como as estrelas mais recentes se enriqueceram com os elementos mais pesados formados ao longo dos anos. Dessa maneira, é interessante interpretarmos as supernovas como um evento que relaciona as gerações antigas de estrelas com as novas, como uma ponte que liga o passado e o futuro do Universo.

sábado, 8 de julho de 2017

A vida das estrelas de baixa massa

Por Rafael Hideki Ishida, aluno do Prof. Dr. Jorge Meléndez


A jornada das estrelas através do Diagrama HR


Apesar de parecerem apenas pequenos pontos brilhantes iguais, quando olhamos para o céu noturno estamos observando estrelas jovens e velhas, estrelas mais frias e estrelas mais quentes, de menor e de maior massa, cada uma com suas próprias características e história. Para os astrônomos, entender cada uma dessas características e como elas se relacionam é muito importante para compreender a vida das estrelas. Ao longo de sua existência, as estrelas passam por diversas fases e transformações, as quais alteram significantemente o seu brilho, massa, temperatura e muitos outros aspectos. 

A astrofísica estelar desenvolveu uma ferramenta muito importante para estudarmos e relacionarmos as características de cada estrela: o diagrama HR (Hertzsprung-Russell). Nele, relacionamos a temperatura superficial das estrelas com suas luminosidades. O resultado é um gráfico que nos traz muito informação sobre a vida das estrelas. Ao olharmos a figura abaixo percebe-se que as estrelas não estão distribuídas aleatoriamente, mas elas ocupam determinadas regiões no diagrama HR. 


Diagrama HR. Aqui os eixo são Magnitude Absoluta e Cor, quantidades diretamente proporcionais à Luminosidade e à Temperatura Superficial das estrelas. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 79.

A região que cruza o gráfico diagonalmente é chamada de Sequência Principal. Assim que iniciam a fusão nuclear, as estrelas aparecem no diagrama HR, tomando um lugar ao longo da Sequência Principal. Quando estão nesta fase, as estrelas possuem um núcleo muito estável, que continuamente queima seu hidrogênio. Assim, as estrelas tendem a passar maior parte da sua vida nessa região do diagrama. A massa das estrelas também possui um íntima relação com a Sequência Principal. Como vemos na imagem abaixo, as estrelas organizam-se quanto a sua massa no diagrama. Além disso, quanto maior a massa menor o tempo em que a estrela permanece na Sequência Principal, e por consequência, menor é o seu tempo de vida. Por exemplo, o Sol já está em sua posição na Sequência Principal por cerca de 4,6 bilhões de anos e assim permanecerá por mais 5 bilhões de anos, totalizando aproximadamente 10 bilhões de anos. Mas uma estrela com cerca de 10 massas solares permanece "apenas" cerca de 10 milhões de anos na Sequência Principal.


Regiões do Diagrama HR. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 80.

Após a Sequência Principal, as estrelas passarão a maior parte da sua vida na região superior direita do diagrama, o ramo das Gigante Vermelhas. A partir daqui, as reações nucleares também se mostrarão muito relacionadas com o caminho das estrelas no diagrama HR. Após a queima de hidrogênio cessa no núcleo estelar, o hélio pode começar a fusionar, dando origem a elementos mais pesados. Ao mesmo tempo, a estrela "passeia" por diferentes regiões, passando pelo ramo horizontal, onde a temperatura superficial aumenta significantemente, e, por fim, passando pelo ramo assimptótico das gigantes, onde o núcleo estelar é basicamente carbono e oxigênio.

A evolução de estrelas baixa massa

Vamos dar uma olhada mais profunda no caminho de estrelas de massa menor a 8 massas solares pelo diagrama HR. Estas são as estrelas classificadas como de baixa massa e massa intermediária. Cerca de 90% da vida dessas estrelas se passa na Sequência Principal, onde a queima de hidrogênio (4 H --> He) ocorre no núcleo, onde a temperatura é mais elevada. Em certo ponto, o núcleo, que era composto basicamente de hidrogênio, passa a comportar apenas o hélio que resultou da fusão nuclear. O hidrogênio restante é queimado em uma camada que se encontra logo acima do núcleo. Com o tempo, o núcleo inerte de hélio começa a contrair-se, de modo a se aquecer. Esse calor é suficiente para fazer as camadas acima do hidrogênio expandirem-se, diminuindo suas temperaturas. Dessa forma, a estrela começa a sua jornada fora da Sequência Principal.


O tempo de vida das estrelas na Sequência Principal depende de suas massas. Fonte: Adaptado - FREBEL, Anna; Searching for the Oldest Stars, 2015, p. 83.

O núcleo de hélio continua se aquecendo, de modo que as camadas mais externas da estrela também continuam se expandindo cada vez mais. Consequentemente, temos um aumento na luminosidade e uma diminuição da temperatura, levando a estrela para o canto superior direito do diagrama, o ramo da Gigantes Vermelhas. Em certo momento, o núcleo de hélio se tornou denso e quente o suficiente para sua ignição, em um evento chamado helium flash. Agora, o hélio começa a fundir-se produzindo carbono e oxigênio. Com uma nova fonte de energia, a luminosidade da camada de hidrogênio decai um pouco. Ademais, a estrela contrai, aumentando sua temperatura. Assim, ela segue para uma nova região, o ramo horizontal.

O ramo horizontal intersecta a faixa de instabilidade do diagrama HR, no qual há muitas estrelas pulsantes e variáveis. Por esse motivo, muitas estrelas que estão passando por esta região também pulsam. Enquanto o núcleo de hélio queimar, a estrela permanecerá no ramo principal. Estrelas de baixa massa costumam permanecer pouco tempo nessa região, nem chegando a caracterizar um movimento realmente horizontal no diagrama HR. Em contrapartida, é visível uma região horizontal quando estamos falando de estrelas de massa intermediária.

Quando o hélio se esgota no núcleo, ocorre um processo semelhante ao que houve quando se esgotou o hidrogênio no núcleo. Uma camada de hélio que continua queimando se forma abaixo da camada de hidrogênio e acima do núcleo, que agora é composto de carbono e oxigênio. A estrela segue então ao ramo assimptótico das gigantes.

No ramo assimptótico, a camada de hélio é a principal responsável pela produção de energia. O núcleo inerte se contrai, de modo a se aquecer. Este aquecimento leva a uma expansão da camada de hélio, logo acima do núcleo. Por sua vez, as camadas mais externas (inclusive a de hidrogênio) também se expandem, diminuindo a temperatura superficial da estrela. Contudo, em certo momento, a camada de hélio se estabiliza. Dessa forma a camada de hidrogênio começa a se contrair, intensificando o processo de queima de hidrogênio, depositando cada vez mais hélio na camada abaixo. Da mesma forma, a queima de hélio se intensifica, dando origem a pulsos térmicos periódicos que atravessam o interior da estrela.

Os pulso térmicos são responsáveis por um aumento importante na perda de massa das estrelas. Conforme as camadas de hidrogênio e hélio se aproximam da superfície, os pulsos térmicos se intensificam e a estrela começa a ejetar cada uma das suas camadas, até que um pulso final ejete a camada de hélio. Esse material expelido irá formar uma imensa nuvem de gás, chamada de nebulosa planetária, que irá envolver o núcleo degenerado de carbono e oxigênio, chamado de anã branca. As anãs brancas podem ser encontradas na parte inferior esquerda do diagrama HR. Por não possuírem uma fonte de energia, elas estão continuamente esfriando, até serem tão frias quanto o espaço (cerca de 2,7 K) e não serem mais observáveis. Elas então passam a ser chamadas de anãs negras.


Nebulosa Planetária do Esquimó (NGC 2392). Fonte: Andrew Fruchter, STScl et al. WFPC2, HST, NASA.